Territorialidade do Registro de ata de Condomínio

19/07/2024

Registro de ata condominial.

Vindo a Registro de Títulos e Documentos atas oriundas de condomínio edilício, surge a dúvida sobre qual serviço pode formalizar o registro, se o da localização do edifício ou se em qualquer cartório da especialidade.

Registro de ata condominial: anotações sobre o lugar do registro
 
Jairo Vasconcelos Rodrigues Carmo
Oficial Titular do 4º Registro de Títulos e Documentos da cidade do Rio de Janeiro
Magistrado aposentado do TJRJ – Professor - Escritor

 
 
 
                      SUMÁRIO: I. Nota Prévia; II. Natureza Jurídica da Ata de Condomínio Edilício; III. O Lugar do Registro e a Territorialidade; IV. Efeitos da Publicidade Registral; V. Síntese Conclusiva.
 
 

  1. Nota Prévia

 
 

                 Vindo a Registro de Títulos e Documentos atas oriundas de condomínio edilício, surge a dúvida sobre qual serviço pode formalizar o registro, se o da localização do edifício ou se em qualquer cartório da especialidade.
 
                     Para dirimir essa dúvida convém examinar o artigo 130 da Lei 6.015/1973, com a redação da Lei 14.382/2022, nestes termos:
 
                     Art. 130. Os atos enumerados nos artigos 127 e 129 desta Lei serão registrados no domicílio:
                        I – das partes, quando residirem na mesma circunscrição territorial;
                        II – de um dos devedores ou garantidores, quando as partes residirem em circunscrições territoriais diversas; ou
                        III – de uma das partes, quando não houver devedor ou garantidor.
                       § 1º Os atos de que trata este artigo produzirão efeitos a partir da data do registro.
                § 2º O registro de títulos e documentos não exigirá reconhecimento de firma, e caberá exclusivamente ao apresentante a responsabilidade pela autenticidade das assinaturas constantes do documento particular.
 
                    Saiba-se que os atos enumerados nos artigos 127 e 129 não cogitam das atas de condomínio como documento específico, convindo dizer que o condomínio edilício é instituído por ato entre vivos ou testamento, registrado no cartório de Registro de Imóveis, onde também se registra a Convenção que o constitui[1].
 
               Sobre atas de assembleias condominiais, ao contrário do que se imagina, nenhuma lei impõe o registro em cartório, embora muitos condomínios costumem fazê-lo, alguns por exigência da Convenção, hipótese em que o registro decorre de norma interna, adotada para publicizar as deliberações, em reforço da segurança jurídica, mormente nas relações com terceiros, como bancos e empresa prestadores de serviços. Outra vantagem do registro é prevenir fraudes pela certeza da autenticidade das atas.
 
                   O fim deste estudo será demonstrar, em breves anotações, que o registro de atas condominiais pode ocorrer em qualquer Registro de Títulos e Documentos, à escolha das pessoas interessadas, que não se submetem, parece-me inequívoco, aos ditames do artigo 130, citado, cabendo interpretá-lo restritivamente.
 
 

  1. Natureza Jurídica da Ata de Condomínio Edilício

 
 
                   No esforço de conceituar, entenda-se ata como um instrumento que serve ao registro expositivo das manifestações feitas em sessões, reuniões, encontros, assembleias e demais eventos do gênero, resumindo os assuntos versados. As informações nela contida não dão existência a ato negocial algum, ainda que a algum ato negocial se reportem, mas tão-somente para provar as decisões que foram tomadas.  
 
                       Tratando-se de atas condominiais, já vimos que seu registro não é obrigatório, salvo quando estiver prevista na convenção como norma interna impositiva. Nada obstante, com ou sem previsão, o mais comum é a prática do registro, por revestir as deliberações assembleares de maior transparência e autenticidade, prevenindo eventuais litígios. Considere-se, ademais, que o registro facilita aos que contratam com o condomínio, porquanto, em relação aos próprios condôminos, a falta do registro não os exime da fiel observância das obrigações assentadas na ata.
 
                      Compreender esse aspecto é essencial, por duas razões: 1ª.  Como a lei não impõe o registro das atas do condomínio edilício, segue-se que o Registro de Imóveis só tem atribuição para  registrar os atos de instituição e constituição do condomínio[2]; 2ª. Em consequência, eventual interesse no registro das atas condominiais fica a cargo do Registro de Títulos e Documentos, nos termos do parágrafo único do artigo 127 da Lei 6.015/1973, que lhe reserva uma espécie de competência supletiva capaz de englobar todos os registros sem indicação de outro serviço especializado.
 
                     Embora o inciso VII, do artigo 127, regule o registro de mera conservação como modalidade de registro facultativo, penso que o registro de atas condominiais não se enquadra neste tipo peculiar de registro, salvo mediante justificativa de que os efeitos da ata apresentada não repercutem na esfera jurídica de terceiros, a qualquer título, excepcionando-se, pois, quanto a essas atas, a regra do § 1º do artigo 130, acima transcrito, e o artigo 221 do Código Civil[3]. Tampouco cabe invocar a regra do inciso I, do artigo 127, porque as atas condominiais são mera narrativa probatória dos assuntos discutidos em assembleia, formalizada com a intenção de documentar a data e o respectivo conteúdo das matérias debatidas, não criando, por decorrência, obrigações pecuniárias autorizativas de quaisquer cobranças, em juízo ou fora dele.  
 
                 Ressalte-se em último, e não menos importante, que o artigo 130 não condiciona o registro das atas condominiais no serviço da situação do imóvel, em obséquio ao princípio da territorialidade, quando alude ao “domicílio das partes”. Convém explicar. Numa formulação singela, partes são as pessoas físicas, as pessoas jurídicas e os entes despersonalizados que a lei civil regula, como é o caso do condomínio, revestido de capacidade meramente formal, sendo representado pelo síndico ativa e passivamente, a quem incumbe, nessa qualidade, a defesa dos interesses comuns[4]. Dir-se-á que parte na ata condominial é o condomínio que realizou a assembleia, representado pelo síndico, pessoa física ou jurídica. Não significa, contudo, que o registro se fará no lugar da situação do imóvel, forte na circunstância de que a ata condominial melhor se enquadra na norma do artigo 221 do Código Civil enquanto instrumento particular que é, cujos efeitos face a terceiros carece da prova do registro público.
 
                    Avancemos ao tópico a seguir. 
 

  1. O Lugar do Registro e a Territorialidade

 
                Em matéria de registros públicos, o princípio da territorialidade delimita o agir dos oficiais delegatários que só podem atuar no âmbito das respectivas circunscrições, em obediência à legislação aplicável. Geralmente o cartório indicado ao registro é aquele sediado no domicílio das partes. Casos há, todavia, em que a lei não submete os cartórios aos limites territoriais do lugar onde exercem a função notário-registral. É o que sucede, por exemplo, com as notificações efetuadas por via postal, que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça autoriza sua execução pelos cartórios de títulos e documentos localizados fora do domicílio dos devedores[5].
 
              Igual raciocínio, em boa lógica jurídica, e com melhores razões, aplica-se ao registro das atas condominiais, tal como oportunamente decidiu o Conselho Especial no Exercício das Funções Administrativas do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, em 25 de outubro de 2018, sob a relatoria da desembargadora Carmelita Brasil, convencida de que as partes interessadas no registro não ficam restritas aos cartórios da circunscrição abrangente do condomínio edilício[6].
 
              No plano da hermenêutica, recorde-se a lição do eminente professor Miguel Reale, cioso em conceber o ato interpretativo como um todo estrutural, conectado às diversas formas de exegese (gramatical, lógico-sistemática, teleológica, histórico-evolutiva, analógica etc.), de sorte a harmonizá-las em consonância à natureza da espécie normativa analisada em concreto[7]. Se esse é o caminho, as atas condominiais devem ser levadas a registro do cartório de títulos e documentos que melhor atenda aos interesses de quem pretenda os efeitos da publicidade registral, que amiúde envolve – cada dia mais – um leque de empresas prestadoras de múltiplos serviços ao condomínio, incluindo desde empresas eleitas para o mandato de síndicas a empresas de auditoria financeira, sem olvidar as que fornecem mão de obra terceirizada, encarregadas da execução de tarefas complexas de segurança, limpeza, manutenção e conservação.
 
                 Daí que a qualificação registral exige análise valorativa dos títulos e documentos, o que é dizer: não pode ignorar os parâmetros extraídos do contexto social. Na falta de norma expressa, os oficiais registradores devem dar preferência a enunciados operacionais de caráter pragmático, visando formar normas de decisão aceitas como arquétipo exemplar na ordem das relações concretas tuteladas pelo Direito. É consabido que o papel do registro público é informar a outrem a ocorrência de certos acontecimentos, e o faz com chancela da fé pública. Na feliz classificação de Carlos Alberto Ferreira de Almeida, autor português, o registro público é meio mediato de publicidade, porque inexiste relação direta entre aquele que informa e os destinatários[8], funcionando como elo de tração que comunica uma situação jurídica objetiva a terceiros interessados.
 
               Louvado nessas premissas, tenho por correto afirmar que o processo administrativo de qualificação registral das atas condominiais não pode prescindir de criteriosa análise valorativa, viabilizando o registro no lugar em que for requerido. Sem essa visão realista não se alcançará o bom direito das partes em concretude, cabendo lembrar ao ensejo que a teoria do Direito concreto, e não puramente abstrato, encontra apoio de jurisconsultos do porte de Engisch, Betti, Larenz, Esser, Reale[9] e muitos outros, o que implica, nos espaços abertos à publicidade registral, em maior participação decisória dos oficiais registradores, que haverão de concluir, quanto às atas condominiais, pela inaplicabilidade do artigo 130 da Lei 6.015/1973, com redação da Lei 14.382/2022.
 

  1. Efeitos da publicidade registral

 
                  Na vida de relações aceleradas é natural a crescente valorização da publicidade registral como meio eficaz de dar a conhecer inumeráveis situações a terceiros. Nas relações do condomínio edilício, o registro das atas assembleares facilita o exame casuístico de ser fiável ou não, no caso concreto, as situações jurídicas veiculadas pelo registro. Tome-se o exemplo dos bancos. Nenhum admite abertura e movimentação de contas pelo síndico ou empresa que o representa sem o aval da ata da sua eleição registrada em cartório. Por igual apego à segurança, a par da boa-fé objetiva, as empresas não assinam contratos sem antes verificarem sua aprovação no texto da ata autenticada pelo registro.
 
                  A publicidade registral, publicidade jurídica que é, nunca é despida de efeitos jurídicos. Ao reverso, a bem ver, sempre gera efeitos jurídicos no que tange ao ato ou negócio jurídico registrados. Um efeito jurídico mínimo do registro de atas condominiais é a proteção dos terceiros adquirentes, prevenindo, a mais, o risco possível de adulterações, posta a garantia legal de certidões de valor probante igual ao dos documentos originais registrados, físicos ou nato-digitais, ressalvado o incidente de falsidade[10].
 
                  Enfim, é manifesta a tendência dos condomínios de se valerem da publicidade registral das atas assembleares, justificada pelos benefícios jurídicos que proporcionam, tornando-se, pelo registro, um instrumento ao extremo eficaz.
 

  1. Síntese conclusiva

 
                      Ao finalizar essas abreviadas anotações, formulo as proposições que seguem:
 

  1. É válido e plenamente eficaz o registro de atas condominiais perante qualquer serviço de Registro de Títulos e Documentos, a critério das partes interessadas, que não se submetem à limitação territorial do artigo 130 da Lei 6.015/1973, com a nova redação da Lei 14.382/2022;

 

  1.  Aos fins do registro público, a ata condominial é simples instrumento particular que materializa, num resumo expositivo, todas as deliberações tomadas durante as assembleias do condomínio, não dando existência a nenhum ato negocial, conquanto possa se reportar a atos negociais;

 

  1. Acorde à legalidade estrita, a qualificação das atas condominiais embasa na norma do artigo 221 do Código Civil, combinado ao disposto no parágrafo único do artigo 127, da Lei 6.015/1973, facultando-se, a quem justificadamente o requerer, o registro de mera conservação previsto no artigo 127-A da Lei 6.015/1973, acrescido pela Lei 14.382/2022.

 
 
                   
 
  

 

[1] cf. arts. 1.332 e 1.333 e par. ún., do Código Civil
[2] Vide nota supra
[3] Cf. art. 221. O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja na livre disposição e administração de seus bens, prova as obrigações convencionais de qualquer valor; mas os seus efeitos, bem como os da cessão, não se operam, a respeito de terceiros, antes de registrado no registro público.
[4] Cf. Cód. Civ., art. 1.348, II; Lei 4.591/1964, art. 22, § 1º.
[5] Leia-se o Recurso Especial 1.237.699 – SC (2011/0027070-9) – Relator: min. Luís Felipe Salomão. O mesmo entendimento foi esposado em REsp 1.184.570-MG, submetido ao regime dos recursos repetitivos do art. 543-C do CPC, relatoria da min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 9/5/2012.
[6] Para melhor compreensão, vale transcrever o corpo da ementa: “A constituição do condomínio edilício não se dá por registro em Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas, mas em Cartório de Registro de Imóveis, onde deve ser registrada a respectiva convenção. Atas de assembleia de condomínio edilício que não digam respeito a alterações na convenção ou no regimento interno podem ser registradas em qualquer Cartório de Títulos e Documentos, por se tratar de ato independente, cujo registro tem a finalidade de conservação e publicidade, na forma do art. 127, VII, da Lei 6.015/73, não estando sujeitas aos princípios da continuidade e territorialidade”.
[7] Reale, Miguel. Nova fase do direito moderno. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 129.
[8] Almeida, Carlos Ferreira de. Publicidade e teoria dos registros. Coimbra: Almedina, 1966, p. 39.
[9] Reale, Miguel. História do novo Código Civil. São Paulo: RT, 2005, p. 41.
[10] Cf. art. 161 da Lei 6.015/1973; Arguição de falsidade: CPC, arts. 430 a 433.